26 março 2010

A ESTRANHA TEORIA DO HOMICÍDIO SEM MORTE

>Marcia Suzuki



Alguns antropólogos e missionários brasileiros estão defendendo o indefensável. Através de trabalhos acadêmicos revestidos em roupagem de tolerância cultural, eles estão tentando disseminar uma teoria no mínimo racista. A teoria de que para certas sociedades humanas certas crianças não precisariam ser enxergadas como seres humanos. Nestas sociedades, matar essas crianças não envolveria morte, apenas “interdição” de um processo de construção de um ser humano. Mesmo que essa criança já tenha 2, 5 ou 10 anos de idade.



Deixe-me explicar melhor. Em qualquer sociedade, a criança precisa passar por certos rituais de socialização. Em muitos lugares do Brasil, a criança é considerada pagã se não passar pelo batismo católico. Ela precisa passar por esse ritual religioso para ser promovida a “gente” e ter acesso à vida eterna. Mais tarde, ela terá que passar por outro ritual, que comemora o fato dela ter sobrevivido ao período mais vulnerável, que é o primeiro ano de vida. A festa de um aninho é um ritual muito importante na socialização da criança. Alguns anos mais tarde ela vai frequentar a escola e vai passar pelo difícil processo de alfabetização. A primeira festinha de formatura, a da classe de alfabetização, é uma celebração da construção dessa pessoinha na sociedade. Nestas sociedades, só a pessoa alfabetizada pode ter esperança de vir a ser funcional. E assim vai. Ela vai passar por um longo processo de “pessoalização”, até se tornar uma pessoa plena em sua sociedade.



Esse processo de socialização é normal e acontece em qualquer sociedade humana. As sociedades diferem apenas na definição dos estágios e na forma como a passagem de um estágio para outro é ritualizada.



Pois é. Esses antropólogos e missionários estão defendendo a teoria de que, para algumas sociedades, o “ser ainda em construção” poderá ser morto e o fato não deve ser percebido como morte. Repetindo – caso a “coisa” venha a ser assassinada nesse período, o processo não envolverá morte. Não é possível se matar uma coisa que não é gente. Para estes estudiosos, enterrar viva uma criança que ainda não esteja completamente socializada não envolveria morte.



Esse relativismo é racista por não se aplicar universalmente. Estes estudiosos não aplicam esta equação às crianças deles. Ou seja, aquelas nascidas nas grandes cidades, mas que não foram plenamente socializadas (como crianças de rua, bastardas ou deficientes mentais). Essa equação racista só se aplicaria àquelas crianças nascidas na floresta, filhas de pais e mães indígenas. Racismo revestido com um verniz de correção política e tolerância cultural.



Tristemente, o maior defensor desta teoria é um líder católico, um missionário. Segundo ele "O infanticídio, para nós, é crime se houver morte. O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser humano", afirma.”i



Uma antropóloga da UNB concorda. "Uma criança indígena quando nasce não é uma pessoa. Ela passará por um longo processo de pessoalização para que adquira um nome e, assim, o status de 'pessoa'. Portanto, os raríssimos casos de neonatos que não são inseridos na vida social da comunidade não podem ser descritos e tratados como uma morte, pois não é. Infanticídio, então, nunca." ii



Mais triste ainda é que esta antropóloga alega ser consultora da UNICEF, tendo sido escolhida para elaborar um relatório sobre a questão do infanticídio nas comunidades indígenas brasileiras iii. Como é que a UNICEF, que tem a tarefa defender os direitos universais das crianças, e que reconhece a vulnerabilidade das crianças indígenas vi, escolheria uma antropóloga com esse perfil para fazer o relatório? Acredito que eles não saibam que sua consultora defende o direito de algumas sociedades humanas de “interditar” crianças ainda não plenamente socializadas. v



O papel da UNICEF deveria ser o de ouvir o grito de socorro dos inúmeros pais e mães indígenas dissidentes, grito este já fartamente documentado pelas próprias organizações indígenas e ONGs indigenistas. vi



A UNICEF deveria ouvir a voz de homens como Tabata Kuikuro, o cacique indígena xinguano que preferiu abandonar a vida na tribo do que permitir a morte de seus filhos. Segurando seus gêmeos sobreviventes no colo, em um lugar seguro longe da aldeia, ele comenta emocionado:



“Olha pra eles, eles são gente, não são bicho, são meus filhos. Como é que eu poderia deixar matar?” vii



Para esses indígenas, criança é criança e morte é morte. Simples assim.





Quebrando o Silêncio from André Barbosa on Vimeo.

Um comentário:

  1. Confesso que não estava a par dessa situação - infanticídio indígena. É repulsivo ver que "antropólogos e missionários" concordem com tal atitude - não lhes dão oportunidade de escolha, apenas acham que seus hábitos devem ser preservados por questões culturais, não importando que tipo de costume seja. Os indígenas em pleno séc. XXI continuam sendo um povo dominado pelos "brancos",achados tão "sábios"...
    A abertura do vídeo é perfeita.Muitas pessoas não "veem" os índios...É maravilhoso que os próprios indígenas digam "o que é errado temos que corrigir"!...Não podemos continuar preservando os erros de uma cultura ou deixar que sejam defendidos. Só Deus dá o ideal perfeito de como se viver!Assim não devemos esquecer que, além de todo apoio social que essa gente precisa, muito mais precisam de Deus e "esse serviço não só suprirá suas necessidades, mas tb redundará em muitas graças, que se darão a Deus".

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